O Oscar 2010 e a Ficção Científica

08/03/2010 0 Por Surya
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É, e de novo não deu. Mas desta vez não dá para dizer que foi injustiça ou
preconceito. A grande verdade é que realmente Avatar não merecia ganhar.
É inegável que a produção de James Cameron é um bom filme, impressionante e
visualmente deslumbrante. A filosofia dos na´vi, a simbiose entre todas as
formas de vida de Pandora, as magníficas Montanhas Aleluia realmente foram
boas idéias. Mas lamentavelmente esse apuro técnico não esteve a serviço de
uma história realmente marcante.


Os comentários sobre a excessiva quantidade de clichês não foram de forma
alguma injustiça com Avatar, e as comparações com Pocahontas, Dança com
Lobos e O Último Samurai só dão conta de que Cameron produziu um filme de
mais de 500 milhões de dólares que nunca surpreende ou provoca quem assiste,
e pior, onde tudo é óbvio e previsível demais.
O comandante militar linha-dura que só quer saber de dar tiro (e voltaremos
a ele daqui a pouco). O estranho se apaixonando por uma princesa indígena. A
mocinha em perigo no final, a mercê do vilão, até que o herói finalmente
chega para o resgate, a grande batalha se tornando uma luta particular. O
burocrata sem alma. Os cientistas indiferentes e hipócritas.
Essa é apenas uma mostra dos batidos clichês de Avatar. Já me disseram que,
por exemplo Star Wars também tem clichês, o que é gritantemente óbvio. Mas o
primeiro filme da Galáxia Muito, Muito Distante, que concorreu e não levou o
Oscar de 1978, também tinha personagens fortíssimos, e claro, o maior vilão
de todos os tempos!
E honestamente, dá para comparar Darth Vader com o Coronel Quaritch? Vocês
todos conhecem Vader, toda sua história que era clara mesmo em Uma Nova
Esperança. Mas Quaritch? Um sujeito estúpido, burro, ignorante que só pensa
em dar tiros? Quem foi o imbecil que colocou um descerebrado desses na
posição de comandante militar de uma operação que seria tão importante?
E ele não menciona a Terra, ou a óbvia traição de Jake Sully, sequer uma
vez! Como também não o faz o burocrata Parker Selfridge, vivido por um
Giovanni Ribisi que seguramente é capaz de uma interpretação muito melhor.
Infelizmente os demais personagens pouco ou nada tem a acrescentar. Mesmo os
na´vi caem no estereótipo do “bom selvagem”, que vive em perfeita harmonia
com o meio ambiente, o que qualquer pessoa bem informada sabe ser um mito
politicamente correto. Aqui na Terra muitas culturas de fato veneram a
natureza, mas a grande maioria do tipo caçadores e coletores, como os na´vi,
simplesmente esgotam os recursos do local onde se estabelecem, e partem em
seguida para outro. E estão bem documentados casos de extinção de espécies
pela mão de alguns desses povos. Bela “harmonia” com o meio ambiente!
Muito se comentou o fato de os na´vi não serem mamíferos, mas mesmo assim
suas fêmeas terem seios. “Facilitar a identificação”, segundo explicações da
produção de Avatar. Mas se formos pensar em outra produção de Ficção
Científica, que também concorreu ao Oscar mas não levou, é para se
questionar tal opção. Alguém aí lembra de ET, O Extraterrestre? Quem não
tomou um susto com a primeira aparição desse carinha bem feioso, mas no
final não se apaixonou por ele?
Mas também, comparar Steven Spielberg com James Cameron… ou George Lucas
com James Cameron… Não dá, né? Por isso arrisco aqui a dizer: seria além
de tudo uma injustiça com esses clássicos da nossa boa, velha e querida
Ficção Científica que Avatar ganhasse. Nada contra clichês, desde que usados
com competência. Dois dos diretores acima sabem como fazer. Quem vocês acham
que são?
Interessante perceber que sites concorrentes do Aumanack tiveram opiniões
diversas. Um deles chegou a afirmar que o Coronel Quaritch era “um dos
melhores vilões do cinema”. Já outro disse que “apesar do mimimi a respeito
de roteiro e trama”, Avatar tinha que ganhar o Oscar. Talvez estivessem mais
desesperados que nós do Aumanack para ver a Ficção Científica ganhar o
prêmio maior. Respeitamos essas opiniões, claro, e obviamente queremos que
respeitem as nossas. Mas particularmente acreditamos que para ganhar,
precisa antes de tudo ser o melhor, o que lamentavelmente não foi o caso de
Avatar.
Foi dado um grande destaque a criação da língua na´vi com consultas a
linguistas e outros especialistas. Nada de novidade, pois há trinta anos o
mesmo já havia sido feito para os klingons. E muito antes disso, inúmeras
outras línguas foram criadas por uma só pessoa, um especialista chamado
J.R.R. Tolkien.
E teve publicação que comparou Tolkien com Cameron, pode!?
E já que falamos no Professor, lavamos a alma em 2004 ao ver o recorde de
estatuetas para O Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei. E sim, novamente um
clichê, a velha batalha do Bem contra o Mal. Mas de novo, Peter Jackson teve
competência única para traduzir uma das maiores obras literárias do mundo
para o cinema, literalmente enfiando um dos maiores filmes de todos os
tempos goela abaixo da Academia. Primeiro e até agora único Oscar de Melhor
Filme para o fantástico. E em história, personagens, trama, tema, valores
expostos… de novo, uma distância abissal para Avatar.
Quanto ao tema de intrusos em um mundo alienígena com habitantes
(aparentemente) primitivos, convido-os a conhecer o episódio Errand of Mercy
(Missão de Misericórdia), da venerável Série Clássica de Jornada nas
Estrelas. A Federação e o Império Klingon se batem sobre Organia, um planeta
com habitantes primitivos, até que estes decidem mostrar que não são nada
primitivos… Mas aí já é humilhação, certo? Por sinal, Star Trek de JJ
Abrams merecia mais que apenas o prêmio de maquiagem, e a soberba atuação do
elenco, com destaque para o excelente Zachary Quinto, era digna de
indicação. E o próprio filme deveria estar entre os dez indicados ao prêmio
maior, mas o resgate do maravilhoso universo de Gene Roddenberry, e do
otimismo na Ficção Científica, mais do que compensaram. E posso bater em
Quaritch só mais um pouco? Nero é também um vilão incomparavelmente melhor
que o “coroné” de Avatar! E como vem mais Star Trek por aí, nunca é demais
manter a torcida firme, um dia quem sabe o Oscar premie finalmente o valor
de Jornada nas Estrelas!
Para ficarmos no gênero fantástico, Distrito 9 e Up sem dúvida eram muito
melhores, e mereciam muito mais o Oscar que Avatar. Up é a mais nova
obra-prima da Pixar, comovente, emocionante e divertido, e mais do que
merecidamente levou como Melhor Animação. Já Distrito 9, de novo
enfatizamos, com menos de um décimo do orçamento de Avatar, tem uma história
muito mais forte, mais provocante e que faz pensar, trazendo de volta a
crítica social que está nas origens de nosso gênero mais amado. Sua
indicação para Melhor Filme foi realmente a grande vitória para a Ficção
Científica desta edição do Oscar. E como não existe Oscar sem injustiças,
Sharlto Copley (que foi mostrado lá no Kodak Theatre quando da apresentação
de D-9) merecia ter sido indicado ao prêmio de Melhor Ator pelo fabuloso
trabalho como Wikus Van der Merwe, o primeiro de sua carreira, em Distrito
9.
Avatar, além de tudo, deu voz aos críticos que afirmam que “filme de Ficção
Científica é só efeitos especiais”. Nesse ponto prestou um claro desserviço
ao gênero, e é nítido que os concorrentes ao prêmio técnico, Star Trek e
Distrito 9, equilibraram de forma muito superior os efeitos (ferramentas
para contar a história, nada mais), com uma trama firme e marcante. Mas
claro que o lobby por Avatar para Melhores Efeitos foi maior.
Enfim, fazendo uma lista das produções de Ficção Científica e Fantasia
injustiçadas no Oscar, como 2001, Uma Odisséia no Espaço (não indicado para
Melhor Filme em 1969, ganhou em Melhores Efeitos Visuais), Contatos
Imediatos do Terceiro Grau (não indicado para Melhor Filme em 1978, venceu
Melhor Fotografia), Star Wars (indicado a Melhor Filme em 1978, não levou,
venceu em Direção de Arte, Figurino, Efeitos Visuais, Edição, Trilha Sonora
Original e Som), Os Caçadores da Arca Perdida (indicado a Melhor Filme em
1982, venceu em Edição, Som, Efeitos Visuais, Direção de Arte), e ET
(indicado a Melhor Filme em 1983, venceu em Efeitos Visuais, Efeitos
Sonoros, Trilha Sonora Original), vemos que nenhum destes, obras-primas
inesquecíveis, foi premiado com o Oscar de Melhor Filme. Perguntamos:
Avatar, com uma história fraca se comparado a estes clássicos, realmente
merecia ganhar?
Nossa opinião é que não. Desta vez podemos ficar tranquilos, pois o
conhecido preconceito da Academia contra a FC não foi o fator decisivo a
pesar contra. Avatar não venceu pois não era o melhor, simples assim.
Situação muito diferente da inesquecível edição 2004 e a consagração de O
Senhor dos Anéis. Quando a Ficção Científica ganhar um Oscar quero que seja
assim, com o melhor filme dando um cala-boca geral em todos!
Há esperanças, contudo. Fala-se há muito de uma adaptação da obra-prima de
Isaac Asimov, Fundação, que alguns afirmam ser o último dos “infilmáveis”.
Mas os rumores de que Roland Emmerich estaria cotado para o projeto nos
insufla um sentimento de puro terror!
O próprio Neil Blomkamp, diretor e roteirista de Distrito 9, apadrinhado de
Peter Jackson, já anunciou que trabalha em uma nova produção FC, mais
comercial que sua obra-prima de estréia, mas sem abandonar uma trama
inteligente e crítica como a de D-9. Em Blomkamp confiamos! E deixamos para
ele os maiores parabéns pela façanha de conseguir a indicação de Distrito 9
para Melhor Filme, prêmio merecido para a produção que resgatou para nossa
boa, velha e querida Ficção Científica a inteligência e o atrevimento que o
gênero sempre teve. Que os demais vejam e aprendam!